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Ao Soberno E Sempre Augusto Monarcha El Rey Dom João Quinto de Portugal [reprodução fotográfica de gravura de Guillaume Debrie, c. 1748]
Mário Novais
MC.FOT.0652

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Numa das raras vistas do interior do Palácio Real da Ribeira de Lisboa, o rei D. João V protagoniza uma simbólica cerimónia de Lava-Pés aos pobres da cidade. É possível que a cena tenha decorrido na Sala dos Tudescos, onde se exibia a esplêndida coleção de tapeçarias da casa real, perdida no terramoto de 1755. Era o principal espaço de aparato do palácio desde os tempos de D. Manuel I e a maior sala do conjunto palatino, com uma área superior a 450 m2. Era ainda o local onde se realizavam os atos solenes das Cortes, o que lhe conferia particular simbolismo político.

 

Neste cenário tão reservado, luxuoso e emblemático, o monarca enverga vestes sacerdotais e encontra-se ajoelhado, diante de um grupo de treze pessoas pobres que, por uma vez, cruzaram as portas do Terreiro do Paço e acederam à residência real. Opera-se, assim, uma curiosa inversão dos papéis sociais: é o rei que, despojado da sua dignidade majestática, trata das pessoas mais frágeis da sociedade que lidera. É um homem profundamente doente, num arrastado final de vida depois de um violento ataque sofrido em 1740, que lhe deixou parte do corpo paralisado. Tal como Jesus, humildemente, lavou os pés aos apóstolos durante a Última Ceia (ato que antecede a Paixão de Cristo), também o rei cuida dos seus súbditos antes de passar da existência terrena à vida celeste.

 

O simbolismo da cena evoca a profunda devoção católica do rei e do seu reinado, mas também o direito “divino” do soberano em ostentar o título de príncipe da Terra e do Céu. Por essa razão, assistem à cerimónia altas individualidades do Estado e da família real, como o infante José (príncipe do Brasil), D. Francisco e D. António (irmãos do rei) e demais oficiais da corte e do serviço do paço.

 

Não se sabe quando teve início o hábito de D. João V realizar esta cerimónia, mas ela já marcava o calendário pascal do monarca em 1714 e foi objeto de regulamentação própria no ano seguinte. Crê-se que esta demonstração pública de piedade pelos reis portugueses tenha tido a primeira manifestação na Idade Média, com a rainha Santa Isabel, e a prática está documentada em vários reinados. Na gravura do tempo de D. João V, a longa legenda que acompanha o desenho indica que se celebrava todos os anos. Há notícia de que também a rainha D. Maria Ana de Áustria efetuou vários lava-pés a mulheres pobres de Lisboa e de que os infantes serviram à mesa o banquete que se seguia à cerimónia, em mesas de Estado e de cujo cardápio não constava a carne.

 

O episódio é conhecido graças a uma gravura datada de c. 1748 e realizada pelo artista de origem holandesa Guillaume François Debrie (ativo em Portugal entre 1728 e 1755). A cena foi desenhada, passada a gravura e oferecida ao Soberno e sempre Augusto Monarcha el Rey dom João quinto de Portugal, pelo seu mais humilde e fiel criado Guilherme Francis.co Lourenço Debrie, acompanhada de legenda laudatória à natureza magnânima do rei.

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